Invasão estremece pacto entre sem-terra e governo
Cotidiano | Publicado em 26/02/2013 11:39
Membros do MLST (Movimento para Libertação dos Sem-Terra), acampados há oito anos às margens da BR-369, entre Cascavel e Corbélia, entraram ontem na Fazenda Bom Sucesso e iniciaram o plantio de milho, feijão e mandioca em uma área de 50 alqueires. A invasão mexe com o pacto firmado com o Governo do Paraná, disposto a encontrar uma área na região para abrigar as famílias. É o que afirmou ontem o secretário especial de Assuntos Fundiários do Paraná, Hamilton Serighelli.
Para um dos líderes do acampamento, Mauro Ferreira, a paciência se esgotou. “Garantiram que em 120 dias as famílias seriam transferidas para outra área. Já se passou um ano e até agora nada”, disse. “Diante dessa demora, decidimos agir e iniciar o plantio na propriedade para garantir pelo menos a subsistência das famílias”, justificou o sem-terra.
O acampamento existe há oito anos e chegou a ter 150 famílias. Hoje são perto de 90 famílias. “Se uma posição oficial não for anunciada até sexta-feira, vamos fechar a BR-369 na próxima semana”, ameaçou. “E se quiserem acabar com o nosso plantio, vamos resistir até o fim”.
As famílias estão acampadas às margens da Fazenda Bom Sucesso, propriedade com área aproximada de 500 alqueires, pertencente a Orlando Carneiro. Os sem-terra reclamam da falta de assistência da União. “Recebemos duas cestas básicas por ano”, comentou Ferreira. O amparo médico também é deficitário. Quanto à educação, as crianças estudam na escola do Assentamento São Francisco. A maioria dos acampados sobrevive da renda obtida trabalhando como boia-fria. Enquanto os sem-terra plantavam, funcionários da fazenda faziam a colheita de soja em uma área próxima.
Transferência das famílias deveria ocorrer em 15 dias
A compra de uma nova área negociada com o Banco do Brasil por parte do Incra está prevista para ser consolidada em 15 dias. Agora, com essa reviravolta, todo o processo poderá ser comprometido e a transferência pode não mais ocorrer. “E pior, os sem-terra poderão ser obrigados a deixar o acampamento montado hoje sobre a faixa de domínio da Viapar na BR-369”, alertou Hamilton Serighelli.
“Se eles entraram na área, vão sair do processo de negociação que estava em fase final”, declarou. Ele entende que a análise demorou. “Mas se querem radicalizar, também vamos adotar esse comportamento”, afirmou o secretário especial de Assuntos Fundiários. “Estávamos segurando o processo com a Viapar, que queria a retirada imediata das famílias, mas agora, com essa decisão dos sem-terra, tudo pode mudar”. A área em fase de negociação fica entre as cidades de Missal e Ramilândia. Para Serighelli, os sem-terra “morreram na praia” ao adotar essa postura mais radical. Em 15 dias, o Incra pretende apresentar a avaliação técnica para a compra de áreas na região. “Eles vão plantar e não vão colher”, disse Serighelli, em alusão a exploração da área para cultivo em 50 alqueires, iniciada ontem à tarde.
O proprietário da Fazenda Bom Sucesso, Orlando Carneiro, também afirma que essa postura do movimento balançou a negociação com o governo estadual. “Não vou fazer nada com as próprias mãos”, disse. “O problema é social e foge ao nosso alcance”, completou. O processo ainda tramita na Justiça. “Sou um agricultor e nunca tive nenhum problema com o fisco, com questões ambientais”. Segundo Carneiro, o regime de democracia propagado no País é apenas teórico. “Teríamos que ter o direito de ir e vir, direito de comprar um carro, um relógio, e uma propriedade, mas o que acontece no Brasil é uma inversão de valores”, disparou. Para ele, a mudança só ocorrerá quando as pessoas tiverem mais valor que o voto.